O TEMPO NÃO
PASSA PARA OS HERÓIS
Por Mauro
Boselli
Desenhos de:
Pasquale Del Vecchio.
Texto Original
de TEX ANUAL 19 de dezembro de 2017
“O
Nascimento de um herói” Editora: Mythos
Diagramação
de texto para web: Jessé Bicodepena.
Era uma vez... Um audacioso desbravador, Jim Bridger, em viagem pelo sul do Texas, cruza com uma caravana de corajosos colonos atacados pelos comanches. Entre eles estão Ken e Mae Willer, os pais de Tex. Esta é a história de como a vida do famoso frontiersman se entrelaça com as primeiras experiências do futuro Ranger, da infância com o irmão Sam e com Gunny Bill ao primeiro rebanho levado a Corpus Christi e ao feito de um grupo de jovens caubóis texanos na Califórnia da Corrida do Ouro Com a participação extraordinária de Ken e Sam Willer, Gunny Bill, Rod Vergil, Damned Dick, Clarence Hutchenrider (vulgo Hutch), Jim Baker e outros pitorescos protagonistas da Conquista do Oeste! Verdadeiros pioneiros da colonização do Oeste americano, que testemunharam... Vale muito a pena você ler O NASCIMENTO DE UM HERÓI.
LEIA A MATÉRIA EXTRA DENTRO DA EDIÇÃO.
O jovem Tex |
O ATUAL
CONDADO DE NUECES é uma região plana do sudeste do Texas, ente o rio Nueces (ao
norte) e o golfo do México (ao sul), úmida e pantanosa na parte sul, onde está
a capital Corpus Christi, e verdejante mais ao norte, no vale do rio de mesmo
nome. Essa terra quente e fértil, ideal para pastos e plantações, permaneceu
por muito tempo selvagem, frequentada apenas por bandos de índios karankawas,
tonkawas comanches e lipans apaches, e os primeiros europeus a explorá-la podem
ter sido, no Século 16, os náufragos da tripulação do navegador espanhol Cabeza
de Vaca, que não se demoraram a ir embora. Na metade do Século 18 ali foram
fundadas algumas missões religiosas, mas as tentativas espanholas de
colonização fracassaram de forma trágica: todos os colonos e frades foram repetidamente
exterminados por escassez de víveres, seca e ataques indígenas. Em 1749 uma dição
de pioneiros foi acompanhada por um esquadrão de lanceiros bem armados e por
dois missionários munidos apenas da sua fé no Senhor, mas o grupo todo acabou
se perdendo naquelas planícies inexploradas e deles não se soube mais nada. As
autoridades espanholas - que haviam mandado seus militares contra os soldados
franceses na disputa por
aquele território promissor e fértil - começavam a se
desesperar.
Os jovens Rod, Tex e Hutch |
NA VIDA REAL
o tempo - infelizmente - passa para todo mundo. Mas não para os heróis de
seriados, principalmente os de papel, que têm quase sempre a mesma idade. E não
só os dos quadrinhos: o Inspetor Maigret tem sempre cinquenta anos, o detetive
Poirot, sessenta. Huguinho, Zezinho e Luisinho, além da turma do Minduim, estão
eternamente na idade do ensino fundamental, e o Homem-Aranha oscila entre o
ensino médio e a faculdade. É uma regra de reconhecimento, assim como a das
roupas que nunca são trocadas. E isso também vale claro, para os protagonistas
do nosso gibi preferido. Kit Carson, com uma certa idade, mas vigoroso,
aparenta ter entre cinquenta e sessenta, e não se deve levar em conta se algum desenhista,
em razão do estilo, às vezes lhe acrescenta umas rugas a mais: é claro que,
quando acontece, é porque o velho Kit dormiu mal! O outro Kit, o jovem Willer,
há décadas é um eterno rapaz de vinte anos. Tigre, que aparenta quarenta, é
pouca coisa mais novo que Tex, que deve ter quarenta e cinco. Essas idades,
mais ou menos imutáveis, não levam em conta o tempo real que deveriam exigir
dos nossos heróis as inumeráveis aventuras vividas em centenas de volumes. A
chamada suspensão da incredulidade é bem aceita pelos leitores aficionados, que
querem sempre rever e reconhecer os seus personagens preferidos, ignorando com
prazer certos detalhes realísticos.
Ken Willer pai de Tex |
Para a nossa satisfação, tudo acontece em
um presente eterno e aventuroso, sob o sol escaldante do Sudoeste. Mas a idade
de Tex para nos concentrarmos apenas nele, não foi sempre aquela atual e
padronizada de um maduro, mas jovem, quarentão. Nas suas primeiras aventuras, aquelas
dos gibizinhos em tiras do distante 1948, ele era apresentado como um jovem e
atrevido fora da lei. Era caçado por xerifes e soldados por algum motivo (que
ainda não havia sido contado ao leitor) certamente injusto, porque logo ele
mostraria a sua verdadeira natureza passando para o lado da Lei e colocando no
peito a estrela prateada dos Rangers. Em breve tempo, viúvo e com um filho, no
arco de poucas aventuras rapidamente ele envelheceria cerca de vinte anos,
atingindo a idade atual. Mas como se vê nesta rápida análise, existem ao menos
DUAS idades de Tex Willer.
A história
editorial do nosso herói é conhecida. Os pobres e flexíveis gibizinhos em tiras
se transformaram, dez anos depois (por uma genial intuição editorial), nos
elegantes e colecionáveis volumes com o tamanho de três tiras, e a explosão das
vendas de Tex, no início dos anos Sessenta, andou de mãos dadas com o milagre
econômico da Itália daquele período. Lá pela metade da década, o editor Sergio
Bonelli pensou que, como acontecia com todo gibi de respeito, também se deveria
saber algo mais sobre as origens de Tex. Ele sugeriu isso ao pai e G. L.
Bonelli escreveu O Passado de Tex, onde se descobre que Tex seguiu um mau
caminho por ótimas razões - ótimas ao menos no duro e selvagem Oeste, ou seja,
vingar primeiro os assassinos do pai e, depois, os do irmão Sam. E logo se
seguiram outros significativos episódios em flashback, como O Juramento, sobre
a morte trágica da esposa Lilyth, e Entre Duas Bandeiras, sobre a experiência
de Tex na Guerra Civil. Desse modo, os dois Bonelli definiram que também para Tex, como para toda série que se respeite,
daria para escavar no passado do herói e narrar do Tex anterior ao atual, o padronizado,
também graças ao precedente histórico do jovem Tex fora da lei. A partir daí,
no curso da agora septuagenária carreira do nosso gibi, de vez em quando os
seus poucos autores mergulham tranquilamente em histórias ambientadas no
passado. Sobretudo Claudio Nizzi e este que vos fala com aventuras como Orgulho
Navajo, Chamas de Guerra, O Passado, de Kit Carson, Os Dois Espiões,
A Grande
Invasão... até o recente Gigante O Magnífico Fora da Lei, no qual se
reapresenta nem menos que aquele Tex caçado pela Lei, jovem e atrevido, das
primeiríssimas tiras. E também vale para algum, histórias da nova série de
graphic novel em cores onde se vai um pouco mais para trás, com os ponteiros do
tempo voltando até ao jovem Tex que acabou de vingar o pai Ken Willer, como no
volume O Vingador. (Por outro lado, não é raro que outros gibis seriados
enfrentem em paralelo a idade clássica de seus heróis e uma alternativa idade
juvenil, como aconteceu com Super-Homem adolescente de Smalville, com o Tenente
Blueberry e a sua Jeunesse, com o jovem Indiana Jones e o jovem James Bond.
Então, nós nos perguntamos: depois de setenta anos de vida editorial, por que
não inaugurar, os iminentes festejos de 2018 com um salto ainda mais para trás?
E voltamos ao vale do Nueces.
Mae Willer a mãe de Tex |
FOI GENIAL a
intuição, de Sergio ou de G.L. (isso não sabemos), de colocar o pequeno rancho
de Ken e Mae Willer, os pais de Tex justo no perigoso e praticamente desabitado
vale do rio Nueces. Qual região selvagem do selvagem Oeste ficaria melhor par o
nascimento de um herói indomável?
Evidentemente
os pais de Tex eram dignos dele, do filho extraordinário que dariam à luz. Por
isso, na nossa lenda em quadrinhos, foram os pais de Tex e os outros colonos
que os acompanhavam que levaram a civilização, entre mil perigos, àquele vale
encantado. Quem escreveu isso foi G. L. Bonelli no seu O Passado de Tex. E foi
dali que nasceu a aventura deste volume. E nela, pela primeira vez, vamos ver
Ken e Mae, e vamos rever o velho Gunny Billy, mentor e instrutor de Tex, os
amigos de juventude Rod, Hutch e Dick. E, claro, os dois irmãos Tex e Sam
Willer, meninos e adolescentes. Os ponteiros do tempo mais uma vez são levados
para trás, até onde mais para trás não se pode.
Ken e Mae Willer |
O GRANDE CAÇADOR, o desbravador... São dois dos
títulos alternativos que levei em conta para esta HQ. Ou ainda A Lenda de Jim
Bridger. Não era ruim. Mas deslocaria o foco de Tex e sua família para outro
personagem, do protagonista para o seu exemplo. E, de fato, para falar de Tex
quando ainda deveria nascer ou quando era recém-nascido, eu precisava de um
herói quase tão durão quanto ele, um guia experiente que permitiria à lenda
nascer e descobrir o Oeste selvagem. Não Ken Willer, pioneiro que vinha do Leste.
Podia ser Gunny Bill (que se descobre ter sido antigo companheiro de aventuras
de Bridger), mas G. L. Bonelli havia dado a ele uma conotação mais familiar e
menos épica, de um pai adotivo. Jim Bridger, como se verá, entra e sai da
aventura no estilo de um herói de lenda que favorece o crescimento e o
aprendizado de outro herói de lenda. Claro que o velho Jim é um personagem
histórico. Era um mountain man, que aqui imaginamos numa viagem ao Sudoeste com
o colega e amigo Jim Baker.
Jim Bridger |
Foi um grande trailblazer, desbravador de caminhos
e de territórios inexplorados, enfrentou índios, ursos-pardos e bandidos. A sua
dimensão épica se transferiu ao folclore, e aqui ele se tornou semelhante a um
Pecos Bill que captura tornados com o laço e que abate cem índios com um só
tiro: o próprio Jim, grande animador nas fogueiras de acampamento, era um
narrador divertido e exagerado ao relatar os próprios feitos com as chamadas
tall stories, relatos inacreditáveis e amplificados para alegrar e impressionar
os ouvintes. Exatamente como Pecos Bili. Só que Bridger existiu de verdade.
Quem melhor do que ele poderia ser um tipo de parteiro para a nossa lenda?
Vamos levar os ponteiros do relógio para a hora zero. A natureza singular do
tempo que age na nossa dimensão imaginária permite fazer isso. Por que não
aproveitar? Nós não podemos rejuvenescer e reviver o nosso passado, a nossa
juventude. Os nossos heróis podem, e nós podemos partilhar com eles aquelas
emoções e aquelas aventuras como se elas acontecessem sob os nossos olhos neste
momento, a cada virar de página. E é o que acontece, não é? E o milagre dos
quadrinhos. No próximo ano Tex completará setenta anos de existência, na nossa
realidade. Na dele, está sempre jovem e em pleno vigor. E nestas páginas, no
vale selvagem do Nueces, ele nasce, sob o olhar benevolente dos grandes homens
do Oeste.
Tex e seu irmão Sam |
Jim Bridger idoso |
Bridger e Baker |
Danned Dick |